Filho de Isaac Abravanel, nasceu em Lisboa, em 1465, tendo vivido também em Espanha e em Itália. Supõe-se que terá morrido em 1534.
Do ponto de vista da filosofia, notabilizou-se pela elaboração dos Diálogos de Amor, cuja primeira edição saiu postumamente em Roma em 1535. Trata-se de uma «filografia universal» em que a propósito de um dos mais fecundos temas do renascimento, o amor, expõe as grandes linhas do seu pensamento, nos planos da cosmologia, teologia, metafísica, antropologia e estética.
O tema do amor, conservando o carácter caritativo e religioso de que se revestira com St. Agostinho e S. Tomás, conhecera um importante influxo com a tradução dos Diálogos de Platão por M. Ficino, sendo por essa via e não pela tradição rabínica que Leão Hebreu receberá a sugestão platonizante.
O seu conceito de sabedoria foi tributário da atitude dominante na época, convidando à erudição de que a sua obra é expressivo exemplo. Assim, procurou fundir a Bíblia com Platão, Aristóteles, os estóicos e os árabes (sobretudo Averróis e Avicena). Por isso, uma das suas maiores preocupações foi a de revelar a concordância de Platão e Aristóteles com a Bíblia, explicando a divergência entre os dois filósofos da antiguidade com base numa diversidade de informação acerca da Escritura.
Abordou desenvolvidamente o tema das relações entre a razão e a revelação, para defender a tese da supremacia desta, afastando o tema averroísta da dupla verdade, não sem que antes acentuasse a origem racional das ciências particulares. Tributário de uma cosmologia neoplatónica em que todos os seres se hierarquizam segundo uma ordem descendente (de Deus até à matéria primeira) e ascendente (da matéria primeira até Deus), Leão Hebreu concebe o amor como princípio universal, mediante o qual o superior se une com o inferior, o eterno com o corruptível e o universo com o seu criador. O amor é o espírito que penetra o mundo, vivificando-o, bem como o laço que abraça todo o universo, estabelecendo a sua harmonia intrínseca. Pode também conceber-se como causa dos dois percursos referidos, cada um dos quais definindo um semicírculo: tendo a sua origem em Deus, dele descende paternalmente do mais para o menos belo. Inversamente, é também o amor que reduz todo o universo a Deus, numa ordem ascendente que une as criaturas ao Criador.
Sobre este pano de fundo aborda os grandes temas da cosmologia, antropologia e estética. A sua cosmologia é de base qualitativa, dando guarida a complexas teorias astrológicas, pois que se dedica à análise do influxo dos planetas no carácter dos indivíduos e à interpretação astrológica das fábulas mitológicas.
À maneira renascentista e de certas correntes platonizantes, entendeu o mundo como um ser vivo onde distinguiu a parte imaterial da corpórea, e nesta, a região celeste da terrestre. Todavia, procurou evitar o panteísmo defendendo que o efeito carece da perfeição da causa. De facto, Deus surge-lhe como o primeiro ser por cuja participação todas as criaturas existem, agindo sempre por inteira e livre omnipotência. O tema da criação é aliás um dado apriorístico, e por ele se entrega à refutação da tese aristotélica da eternidade do mundo.
No plano antropológico veiculou o tema do homem-microcosmo, em coerência aliás com a sua visão qualitativa do universo. Já no que concerne ao significado da felicidade e beatitude do homem, procurou conciliar a mística tradicional, para a qual o homem se une a Deus pelo coração e não por um acto de inteligência, com a mística intelectualista de Maimónides, para quem, sendo o conhecimento superior à vontade, a atitude mística e a beatitude suprema consistem essencialmente num acto de meditação. Leão Hebreu sintetiza as duas posições: amor e conhecimento são funções distintas apenas ao nível inferior da materialidade e não ao nível do intelecto puro, pelo que é possível falar num amor intelectual de Deus.
Finalmente, no plano da estética, defendeu que a essência do belo é de natureza espiritual, residindo nas ideias, enquanto pré-notícias divinas das coisas produzidas.
Obras
Diálogos de Amor, texto fixado, anotado e traduzido por Giacinto Manuppella, vols. I e II, Lisboa, 1983 (inclui ampla bibliografia)
Bibliografia
Giuseppe Saitta «La filosofia di Leone Hebreo» in Filosofia Italiana e Humanismo, Veneza, 1928;José Narciso Rodrigues, «A filosofia de Leão Hebreu. O amor e a beleza» in Revista Portuguesa de Filosofia, t. XV, fasc. 4, Braga, 1959, pp. 349-386;José Barata Moura «Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu», in Didaskalia, vol. II, fasc. I, Lisboa, 1972, pp. 155-157;Id., «Leão Hebreu e o sentido do amor universal» in Didaskalia,, vol. II, fasc. II, Lisboa, 1972, pp. 375-404; Joaquim de Carvalho, Leão Hebreu Filósofo, in Obras Completas de Joaquim de Carvalho, vol. I, Lisboa, 1978;J. Pinharanda Gomes, A filosofia hebraico-portuguesa, Porto, 1981.
Pedro Calafate
Via: cvc.instituto-camoes.pt
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