“Cantigas de Santa
Maria”
Cristãos, mouros e
judeus nas Cantigas de Afonso X, o Sábio
Afonso X com a sua
corte musical, ilustração do códice CSM
Em
artigo anterior dedicado à Escola de Tradutores de Toledo, abordámos as Cantigas de Santa Maria, essa
extraordinária compilação poético-musical em louvor da Virgem Maria elaborada
sob a orientação de Afonso X, o Sábio
(1221-1284). Nas Cantigas a Virgem é
piedosa, intercedendo a favor dos aflitos por meio de soluções milagrosas,
perfeitamente credíveis para as mentalidades do século XIII. Por exemplo, o
caso do pintor de uma igreja que preparava uma bela imagem da Virgem, e outra
muito feia do diabo. Este, ofendido por ser representado de forma pouco
elogiosa, sacode os andaimes onde o pintor trabalha, para o fazer cair.
Milagrosamente, o pincel com que pintava a Virgem e o Menino agarra-se à imagem
destes, e o pintor, agarrado pelo pincel, não cai.
Cantiga 74 - Como Santa
Maria guareceu o pintor que o demo quisera
matar
porque o pintava feo.
Outro
milagre envolvendo o demónio é o da Cantiga 47. Nesta Cantiga, com melodia tratada em modo de dança oriental, o argumento
do texto diz como Santa Maria defende um monge embriagado, que vai à igreja,
onde sofre ataques do demónio que lhe aparece em forma de touro, de gañan – homem negro e peludo -, e de
leão. Vamos ouvi-la:
Cantiga 47 "Virgen Santa Maria, guarda-nos, se te praz"
Esta é como Santa Maria
guardou o monge,
que o demo quis espantar
por lo fazer perder.
Feita
esta introdução ao enquadramento das Cantigas
na sua época – a Idade Média, um período da história da civilização ocidental,
em que as mentalidades eram dominadas por uma profunda crença no divino, mas
também pela superstição, vamos tentar mostrar como elas representam mouros e
judeus, numa sociedade regulada pela Igreja.
Mouros e Judeus
nas “Cantigas de Santa Maria”
Painel 3 (detalhe)
da Cantiga 46
É sabido que Afonso X dispunha na sua corte de
intelectuais e artistas de diferentes orientações religiosas e culturais – cristãos,
muçulmanos e judeus. Como seria de esperar numa sociedade medieval, as
minorias, neste caso mouros e judeus, eram toleradas, embora num regime de
excepção, portanto sem os mesmos direitos dos cristãos. Esta circunstância tem
influência na forma como os três grupos são retratados nas Cantigas.
Um
aspecto problemático do corpo de milagres é o forte anti-semitismo de alguns
deles. Em certas Cantigas, as
representações estereotipadas de judeus com feições grosseiras e narizes
aduncos, cometendo toda a espécie de crimes contra cristãos, se bem que sejam
um reflexo das leis civis e canónicas vigentes na época, não deixam por isso de
ser virulentas.
Cantiga 25
(detalhe)
O
judeu aqui representado segue o modelo do “judeu usurário”, que empresta
dinheiro a um bom cristão, que por sua vez tinha gasto toda a sua fortuna em
acções de caridade.
Nesta
iluminura o judeu está representado como o assassino de Cristo. A crença no
judeu deicida, que de certa forma legitimou todo o tipo de perseguições movidas
contra o Povo Judeu, resultou em inúmeros massacres como o descrito na Cantiga
12.
Cantiga 12 – Painel
6 - Os judeus são mortos
A
Cantiga 12 conta-nos a seguinte história: em Toledo, na festa da Assunção de
Maria, o arcebispo dizia missa. Repentinamente ouve-se a voz de uma mulher que
acusa os judeus de terem assassinado Cristo, acrescentando que continuavam a antagonizá-lo.
Depois da missa, o arcebispo conta ao povo o que a voz tinha dito. Então, a
multidão dirige-se à judiaria e descobre alguns judeus que cuspiam numa imagem de
cera de Cristo, tendo já preparada uma cruz onde tencionavam pendurar a dita imagem.
Os judeus foram mortos.
Cantiga 12 "O que a Santa Maria mais despraz"
O que a Santa Maria mais
despraz
é de quen ao seu Fillo faz
Cantiga 187
(detalhe)
Na imagem anterior podemos observar Nasrid, o
emir de Granada, abraçando o seu aliado cristão. Com efeito, no processo da
Reconquista do século XIII, a dinastia Nasrid aliou-se frequentemente aos
cristãos, contra o poder dos almóadas. Talvez por esta razão, o tratamento que
nas Cantigas é dispensado aos mouros,
apesar de serem representados como antagonistas religiosos, seja bem mais
benévolo, comparativamente ao dispensado aos judeus.
Cantiga 181 –
Painel 4
A Cantiga 181 descreve o milagre em que a
Virgem apoia o exército de Marrocos, contra outro exército muçulmano invasor. O
rei de Marrocos é aconselhado a pedir aos cristãos da cidade um estandarte com
a imagem da Virgem, para acompanhar as suas tropas. A vitória é decisiva -
“Pero que seja gente d’outra lei descreuda, os que a Virgen mais aman, a esses
ela ajuda.”
Esta é como
Aboyuçaf foy desbaratado en Marrocos
pela sina de Santa Maria
Notas:
As Cantigas de Santa Maria constituem
a obra lírica mais importante da Espanha Medieval. Os seus 420 poemas são escritos
em galaico-português, com a correspondente notação musical e iluminuras que
acompanham o texto.
O Emirato de Granada – Reino nazarí
de Granada -, nasceu em 1238, fruto de uma aliança entre Fernando III de
Castela e Mohamed I ibn Nasir, criando um reino tributário, subordinado à Coroa de Castela.
Granada pagou tributo aos reis de Castela durante cerca de 250 anos, até à sua
conquista por Fernando e Isabel, em 1492.
Este artigo foi
elaborado e oferecido por Sónia Craveiro
Muito obrigada por
tão interessante artigo.
Fontes:
Excelente!
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