Este blogue é dedicado ao judaísmo no seu sentido mais amplo. É um espaço de estudo e partilha sobre religião, património cultural e história de personalidades ou regiões judaicas. Desde já convidamos todos os que estiverem interessados em participar a fazê-lo da seguinte forma: Poderão enviar os vossos textos, fotos, pinturas e vídeos para o seguinte email:
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Em 1085, no processo de Reconquista Cristã,
Afonso VI de Leão e Castela conquista Toledo aos mouros. Ao contrário dos
reinos cristãos da península, mergulhados no atraso e na pobreza, a Espanha
árabe tinha atingido um alto nível cultural e tecnológico. Ciente disto, Afonso
VI estabelece uma política de tolerância a muçulmanos e judeus, política que
seria seguida pelos seus sucessores.
Três copistas de
Toledo, Libro de Ajedrez
É nesta conjuntura de convivência harmoniosa
entre cristãos, mouros e judeus, que Raimundo de Sauvetat, arcebispo de Toledo
e grande conselheiro de Castela, entre 1130 e 1150, auspicia projectos de
tradução de textos clássicos gregos, árabes, hebraicos, hindus e persas (com
respectivos comentários), que faziam parte das riquíssimas bibliotecas árabes. Os
textos, sobre medicina, álgebra, astronomia, ou filosofia, seriam traduzidos do
árabe para o castelhano, e do castelhano para o latim, ou directamente do árabe
e do grego para o latim. Davam-se assim os primeiros passos para a criação
daquela que viria a ser conhecida por Escola de Tradutores de Toledo.
Entre os tradutores deste período, destacam-se o moçárabe Domingo Gundisalvo,
o judeu Juan Avendehut Hispano e o italiano Gerardo de Cremona.
Em
1135, os almóadas, vindos do Norte de África, chegaram a Al-Andaluz, destronando
os almorávidas. Com a sua intransigência religiosa, provocaram a fuga das minorias
para os territórios cristãos. As aljamas
(judiarias), como a de Toledo, aumentaram consideravelmente a sua população com
judeus refugiados da Espanha muçulmana. Muitos deles desempenharam um papel
relevante na Escola de Tradutores, não só por a enriquecerem com a tradição
hispano-hebraica, como também por dominarem a língua árabe.
O Cânone da Medicina de Avicena
Iluminura da
versão latina do Cânone, de Gerardo
de Cremona
Uma
das primeiras obras a ser traduzida na Escola de Toledo foi o Cânone da Medicina do sábio persa Ibn
Sina (c. 980-1037), conhecido no Ocidente pelo nome latinizado Avicena. O Cânone de Avicena, escrito em árabe com
o título al Qānūn, foi talvez a obra
que maior influência teve na história da medicina, tendo sido traduzido para
diversas línguas como o latim, o persa, o turco, o hebraico ou o catalão.
Entretanto,
o prestígio crescente da Escola de Tradutores de Toledo atraía poetas,
gramáticos, filósofos, médicos e outros sábios, que fizeram de Toledo um importante
centro cultural, proporcionando à Europa traduções latinas de obras que de
outro modo dificilmente seriam conservadas na tradição ocidental.
É sob a égide de Afonso X, o Sábio (1221-1284), que o centro tradutor
de Toledo vive o seu período áureo. Para além das traduções, é produzida uma
quantidade significativa de livros (muitos em castelhano), que constituem uma
das maiores riquezas, não só do espaço ibérico, como do mundo ocidental. É
redigido o Libro de las Leys (Siete Partidas), a Estoria de España, ou as Tablas
Astronómicas Alfonsíes.
No Libro de los Juegos ou Libro
de Acedrex, dados e tablas o monarca é representado ditando o seu próprio
livro. Envergando uma curiosa vestimenta de padrão semelhante a um tabuleiro de
xadrez, tem à sua direita uns pobres andrajosos que parecem pedir esmola. Serão
uns desgraçados, viciados no jogo, que perderam tudo? (Nas Cantigas de Santa Maria, são referidos vários milagres que falam do
vício do jogo).
Afonso
X, ao encomendar o Libro de los Juegos,
que descreve jogos da cultura hispano-árabe, conhecidos na Península Ibérica,
no Norte de África e na Ásia Menor, demonstra compreender que os jogos também
são uma forma de manifestação cultural.
Judeus jogando alquerque,
uma versão de xadrez para quatro jogadores
Dois mouros jogam
xadrez. O da esquerda segura um livro em árabe, lembrando a origem das fontes
do Libro de los Juegos
Damas cristãs
jogando xadrez
Senhoras mouras
jogando xadrez
Nesta imagem do livro das
“tablas”, ou jogos de mesa que combinam o azar com a estratégia, podemos ver um
tabuleiro que pretende representar os sete céus. No jogo, aqui presidido pelo
próprio Afonso, o livro de passatempos é vinculado a uma das suas maiores
preocupações intelectuais: a astronomia.
Cantigas de Santa Maria
Afonso X definia-se a si mesmo como o “Trovador da Virgem”.
As Cantigas de Santa Maria, elaboradas sob a sua orientação, em Toledo,
reflectem a enorme devoção que o rei dedicava à Virgem Maria. Reflectem,
igualmente, a relação cristã com as minorias moura e judaica. Disso nos
ocuparemos em próximo artigo. Por agora, fiquemos com a Cantiga 2 – Muito
devemos, varões, loar a Santa Maria -, na belíssima interpretação do Grupo de
Música Antigua, sob a direcção de Eduardo Paniagua.
Cantiga 2: Muito
devemos, varões, loar a Santa Maria (viol, lute, recorder, tambourine,
bells)
Esta é de como Santa Maria
pareceu en Toledo,
a Sant’Alifonsso e deu-ll’ha
alva,
que trouxe de Parayso, con que
dissesse missa.
Muito devemos, varões,
loar a Santa Maria,
que sas graças e seus dões
dá a quen por ela fia.
Este artigo foi elaborado e
enviado por,
Sónia Craveiro
Muito obrigada por mais esta participação neste espaço que é de todos.
Caria é uma freguesia portuguesa do concelho de Belmonte,
com 39,03 km² de área e 1 921 habitantes (2011). Densidade: 49,2 hab/km². Foi
vila e sede de concelho entre 1512 e 1836. Era constituído por uma freguesia e
tinha, em 1801, 1 121 habitantes. Em 1924 foi de novo elevada à categoria vila,
mas não de município.
“Caria também teve uma comunidade judaica. Talvez não tão
numerosa como a de Belmonte, mas sim, pode-se dizer que também teve os seus
judeus”. A afirmação é de Elisabete Robalo, arqueóloga da Câmara de Belmonte, e
uma das responsáveis pela organização do encontro “Os enigmas da herança
judaica”, que se realizou nos dias, 15, e 16, na Casa da Torre, em Caria.
(2013)
O tema ganhou agora mais relevância após levantamentos
feitos pela autarquia belmontense, onde foram descobertas quatro dezenas de
marcas cruciformes. A arqueóloga da autarquia, Elisabete Robalo, explicou:
“É verdade que encontrámos
várias marcas. Se calhar, até mais que em Belmonte. Possivelmente por lá ter
havido mais construção e essas marcas terem desaparecido. Estamos a fazer esse
levantamento e a contactar alguns proprietários no sentido de as preservarmos”.
A responsável assegura que Caria também teve os seus judeus
e revela também o possível aparecimento de um armário sagrado, um local onde os
judeus guardavam a “torah”, o livro sagrado dos judeus. “Sim, há especialistas
que asseguram que é mesmo um armário sagrado. Ainda estamos a proceder ao
estudo, mas aqui em Caria também se encontraram vestígios de um processo
inquisitório” assegura a arqueóloga. Daí a escolha da vila para a realização
deste evento, de modo a divulgar estas “novidades” à comunidade em geral.
Aron Kodesh de Caria
Cerca de 40 marcas cruciformes
descobertas na vila.
O inventário de motivos cruciformes existente nesta
localidade surpreende não só pela sua abundância como também pela variedade de
formas encontradas. Abundam no centro histórico da Vila, nas ruas do Forno, Rua
do Poço, Rua Direita, entre outras.
Biel é uma das antigas judiarias incluídas no âmbito do projecto "Espaço Aragon Sefarad", que impulsiona a Província de Saragoça, com a intenção de recuperar os vestígios judaicos da província, resgatando uma parte importante da história da localidade e de toda uma região.
História da presença judaica na região, retratada no novo livro de Adriano Vasco Rodrigues.
Trata-se do mais recente trabalho do historiador Adriano Vasco Rodrigues. “Gente de Nação Além e Aquém do Côa (Judeus Sefarditas)”, escrito com a sua esposa, Maria da Assunção Carqueja, recentemente falecida.
O livro faz uma cronologia da história da presença judaica no distrito da Guarda, desde do nascimento de Portugal com Dom Afonso Henriques até aos nossos dias. A Inquisição e a expulsão dos judeus de Espanha para Portugal, pelos Reis Católicos são dois temas centrais desta obra. Adriano Vasco Rodrigues refere que a fronteira de Vilar Formoso foi o principal ponto de passagem da primeira grande entrada de judeus para Portugal, em 1492, com édito de Alhambra, em Espanha.
Cidade portuguesa de 9.600
habitantes, situada na região da Beira e banhada pelo rio Côa. O seu nome
deriva da grande quantidade de pinheiros existentes nessa zona.
Embora o foral de Pinhel de 1200 já regista a actividade
comercial dos judeus aí residentes, a comuna judaica desta antiga cidade
fronteiriça deve ter-se desenvolvido apenas no início do século XV. No final
deste século, favorecida pela proximidade de Espanha, vê o número de habitantes
judeus ascender a cerca de 200.
Numa clara referência aos Judeus vindos dos reinos de
Espanha, em Pinhel houve um ditado popular bem satírico:
"Pires, Petras, Desterros e
Galhanos, fugir deles são judeus castelhanos".
De facto, as famílias mais comuns correspondiam aos
Barzelai, Amiel, Abenazum, Ergas, Cid, Adida, Cohen e Castro.
No início do século XX, o movimento iniciado pelo Capitão
Barros Basto, conhecido como a “Obra do Resgate” motivou as famílias de origem
judaica a iniciarem a construção de uma sinagoga, e em 1931 chegaram mesmo a
considerar-se publicamente judeus, celebrando o novo ano judaico.
Em 8 de maio de 1932 constitui-se a comunidade Israelita de
Pinhel, cuja sinagoga ficou com o nome de “Shaaré Orah” (Portas da Luz). Mas os
tempos conturbados da Segunda Guerra mundial voltaram a aconselhar discrição à
comunidade de Pinhel, e actualmente é difícil encontrar referências à localização
dessa sinagoga.
Aceites
pelas normas kosher, as verduras, as hortaliças e os frutos, secos ou frescos,
são considerados alimentos de subsistência na culinária judaica, quer
sefardita, quer ashkenazi.
A
beringela, o fruto de uma planta originária da Índia, ocupa um lugar de
destaque na gastronomia sefardita. De tal forma que, em Espanha, depois da
expulsão dos judeus em 1492, gostar de beringela era tido como um indicador de
procedência sefardita. A simples inclusão da beringela num prato bastava para o
identificar como comida de judeus.
Cena de Pessach, Haggadah de Sarajevo
Ao longo
dos séculos, a memória das melodias e palavras que os sefarditas levaram da sua
amada Sefarad, foi enriquecida, incorporando elementos diversos assimilados na
diáspora.
«Boca dulce avre
puerta de fierro» - ditado sefardita
A beringela, dita em ladino berendjena, merendjena ou
merenjena, é mencionada em quadras
populares de tema gastronómico, da tradição sefardita dos territórios do antigo
Império Otomano e Costa Mediterrânica, conhecendo várias versões. Numa recolha
de David Hakohén (Sarajevo, 1794), que consta do livro “Coplas sefardíes.
Primera seleccíon”, de Elena Romero, aparece “La Cantiga de las Merenjenas” que
faz referência a 35 maneiras de cozinhar a beringela. A última quadra, em modo
de epílogo, aconselha qual o melhor acompanhamento, bebida incluída.
“La cantiga de las
merenjenas”
1ª quadra - Cuantos modos de guisados se hacían de la merenjena
La primera las hacía la descansada de Morena:
cortadas a rebanadas y echadas en la cena
que ansí la *anvezó su consuegra *bula Lena.
(…)
36ª quadra – Todo este que oistes *cale a lado su rabanico
y harés um bon *piaz con pimienta e *prijilico
y en cada dos bocados beberés vuestro vinico
que ansí está encomendado tanto pobre como rico.
Uma outra variante
muito popular é a cantiga “Siete Modos de Guisar las Merendjenas”, que Susana
Weich-Shahak recolheu em 1974, em Ashdod, Israel, junto da senhora Rosa
Avzaradel, nascida em Rodes em 1912. Vamos ouvi-la na voz de Maria Salgado.
Siete Modos de Guisar las merendjenas
1 - Siete modos de guisados se guisa la merendjena,
la primera que la guisa es la* vava de Elena.
Ya la hace bocadicos y la mete ‘n una cena.
Esta comida la llaman: comida de merendjena
Estribilho - A mi tio Cerasi, que le agrada beber vino;
con el vino,
vino, vino mucho y bien a él le vino.
2 - La segunda que la guisa es la mujer de *Samás,
la cavaca por arientro y la hinchi de aromat.
Esta comida la llaman: la comida la *dolmá (2)
3 - La tracera que la guisa es mi prima Ester di Chiote,
la cavaca por arientro y la hinchi de arroz moti.
Esta comida la llaman: la comida l’ *almondrote (2)
4 - La *alburnia es savorida en color y en golor;
ven, haremos una cena, mos gozaremos los dos,
antes que venga el gosano y li quite la sabor (2)
5 - En las mesas de las fiestas siempre brilla el jandrajo.
Ya l’haremos pastelicos, ellos frien en los platos,
esperando a ser servidos con los *guevos jaminados (2)
6 – La salata maljasina es pastosa y saborida
Mi vecina la prepara con mucho aceite de oliva
Estes platos accompañan a los rostos de gallina (2)
7 - La setena que la guisa, es mejor y mas janina,
la prepara Filisti, la hija de la vecina,
y la mete en el forno de cabeza a la cocina,
con aceite y con pimienta ya la llaman una *meyína.
Glossário:
“La Cantiga de las Merenjenas” - *anvezó – ensinou; *bula – nome
dado a senhoras mais velhas; *cale – faz
falta; *piaz – picadinho de cebola; *prijilico – coentros;
“Siete Modos de Guisar
las Berendjenas” - *vava – avó;*Samás – porteiro da sinagoga;
*dolmá – verduras salteadas;*almondrote ou alburnia - beringelas gratinadas com queijo;*guevos jaminados – ovos cozidos com casca de cebola;
*meyína – espécie de pastel ou soufflé.
BERINGELAS RECHEADAS
Sendo a beringela recheada um dos pratos favoritos
cá de casa, atrevo-me a partilhar uma receita que fui compondo à minha maneira,
com dicas daqui e de acolá:
Ingredientes:
3 beringelas grandes
2 cebolas grandes
1 dente de alho
3 tomates grandes maduros (ou tomate em calda, a
gosto)
1 colher (de chá) de açúcar
200 g de cogumelos
1 cenoura grande
Queijo Mozzarella ralado
Azeite
Sal, orégãos e manjericão
Corte o pé das beringelas, lave-as e coloque-as numa
caçarola. Regue com água a ferver temperada com sal e leve a cozer durante 5
minutos. Retire-as e mergulhe-as em água fria 5 minutos. Depois de as escorrer
e enxugar, abra-as ao meio, longitudinalmente. Com uma colher escave a polpa,
tendo o cuidado de não desmanchar as beringelas.
Pique a polpa das beringelas e
reserve. Cubra o fundo de um tabuleiro com azeite e coloque as metades de
beringelas, pousadas sobre as cascas. Entretanto, retire a pele e as sementes
aos tomates e pique-os; descasque e pique as cebolas e o dente de alho. Deite
azeite numa caçarola e introduza os ingredientes. Tempere com sal, e deixe
cozer em lume brando 10 minutos. Acrescente o açúcar e mexa. Adicione os
cogumelos laminados. Continue a cozedura, mexendo de vez em quando, até o
líquido reduzir. Introduza a polpa das beringelas na caçarola e deixe cozer
mais 5 minutos. Rectifique o sal e tempere com uma pitada de orégãos e
manjericão.
Recheie as beringelas com o preparado, cubra-as com
a cenoura ralada e o queijo ralado. Leve ao forno (t. 4) durante 30 minutos.
Nota: nesta receita sobra sempre recheio. Sugerimos que o
aproveite para uma tarte. Se quiser variar, pode acrescentar atum ao recheio.
Bom Apetite!
Este artigo foi
elaborado e enviado por
Sónia Craveiro
Muito obrigada por esta
partilha, de deixar água na boca.J