sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ESCOLA DE TRADUTORES DE TOLEDO




UM ESPAÇO DE INTERCÂMBIO CULTURAL


Entrada de Toledo, David Temprano


   Em 1085, no processo de Reconquista Cristã, Afonso VI de Leão e Castela conquista Toledo aos mouros. Ao contrário dos reinos cristãos da península, mergulhados no atraso e na pobreza, a Espanha árabe tinha atingido um alto nível cultural e tecnológico. Ciente disto, Afonso VI estabelece uma política de tolerância a muçulmanos e judeus, política que seria seguida pelos seus sucessores. 



Três copistas de Toledo, Libro de Ajedrez


     É nesta conjuntura de convivência harmoniosa entre cristãos, mouros e judeus, que Raimundo de Sauvetat, arcebispo de Toledo e grande conselheiro de Castela, entre 1130 e 1150, auspicia projectos de tradução de textos clássicos gregos, árabes, hebraicos, hindus e persas (com respectivos comentários), que faziam parte das riquíssimas bibliotecas árabes. Os textos, sobre medicina, álgebra, astronomia, ou filosofia, seriam traduzidos do árabe para o castelhano, e do castelhano para o latim, ou directamente do árabe e do grego para o latim. Davam-se assim os primeiros passos para a criação daquela que viria a ser conhecida por Escola de Tradutores de Toledo.

     Entre os tradutores deste período, destacam-se o moçárabe Domingo Gundisalvo, o judeu Juan Avendehut Hispano e o italiano Gerardo de Cremona. 




     Em 1135, os almóadas, vindos do Norte de África, chegaram a Al-Andaluz, destronando os almorávidas. Com a sua intransigência religiosa, provocaram a fuga das minorias para os territórios cristãos. As aljamas (judiarias), como a de Toledo, aumentaram consideravelmente a sua população com judeus refugiados da Espanha muçulmana. Muitos deles desempenharam um papel relevante na Escola de Tradutores, não só por a enriquecerem com a tradição hispano-hebraica, como também por dominarem a língua árabe. 


Cânone da Medicina de Avicena



Iluminura da versão latina do Cânone, de Gerardo de Cremona


        Uma das primeiras obras a ser traduzida na Escola de Toledo foi o Cânone da Medicina do sábio persa Ibn Sina (c. 980-1037), conhecido no Ocidente pelo nome latinizado Avicena. O Cânone de Avicena, escrito em árabe com o título al Qānūn, foi talvez a obra que maior influência teve na história da medicina, tendo sido traduzido para diversas línguas como o latim, o persa, o turco, o hebraico ou o catalão.

     Entretanto, o prestígio crescente da Escola de Tradutores de Toledo atraía poetas, gramáticos, filósofos, médicos e outros sábios, que fizeram de Toledo um importante centro cultural, proporcionando à Europa traduções latinas de obras que de outro modo dificilmente seriam conservadas na tradição ocidental. 




     É sob a égide de Afonso X, o Sábio (1221-1284), que o centro tradutor de Toledo vive o seu período áureo. Para além das traduções, é produzida uma quantidade significativa de livros (muitos em castelhano), que constituem uma das maiores riquezas, não só do espaço ibérico, como do mundo ocidental. É redigido o Libro de las Leys (Siete Partidas), a Estoria de España, ou as Tablas Astronómicas Alfonsíes.




    No Libro de los Juegos ou Libro de Acedrex, dados e tablas o monarca é representado ditando o seu próprio livro. Envergando uma curiosa vestimenta de padrão semelhante a um tabuleiro de xadrez, tem à sua direita uns pobres andrajosos que parecem pedir esmola. Serão uns desgraçados, viciados no jogo, que perderam tudo? (Nas Cantigas de Santa Maria, são referidos vários milagres que falam do vício do jogo).

     Afonso X, ao encomendar o Libro de los Juegos, que descreve jogos da cultura hispano-árabe, conhecidos na Península Ibérica, no Norte de África e na Ásia Menor, demonstra compreender que os jogos também são uma forma de manifestação cultural. 



Judeus jogando alquerque, uma versão de xadrez para quatro jogadores



Dois mouros jogam xadrez. O da esquerda segura um livro em árabe, lembrando a origem das fontes do Libro de los Juegos



Damas cristãs jogando xadrez



Senhoras mouras jogando xadrez



Nesta imagem do livro das “tablas”, ou jogos de mesa que combinam o azar com a estratégia, podemos ver um tabuleiro que pretende representar os sete céus. No jogo, aqui presidido pelo próprio Afonso, o livro de passatempos é vinculado a uma das suas maiores preocupações intelectuais: a astronomia.



Cantigas de Santa Maria


    Afonso X definia-se a si mesmo como o “Trovador da Virgem”. As Cantigas de Santa Maria, elaboradas sob a sua orientação, em Toledo, reflectem a enorme devoção que o rei dedicava à Virgem Maria. Reflectem, igualmente, a relação cristã com as minorias moura e judaica. Disso nos ocuparemos em próximo artigo. Por agora, fiquemos com a Cantiga 2 – Muito devemos, varões, loar a Santa Maria -, na belíssima interpretação do Grupo de Música Antigua, sob a direcção de Eduardo Paniagua.




Cantiga 2: Muito devemos, varões, loar a Santa Maria (viol, lute, recorder, tambourine, bells)



Esta é de como Santa Maria pareceu en Toledo,
a Sant’Alifonsso e deu-ll’ha alva,
que trouxe de Parayso, con que dissesse missa.

Muito devemos, varões,
loar a Santa Maria,
que sas graças e seus dões
dá a quen por ela fia.


Este artigo foi elaborado e enviado por,

Sónia Craveiro


Muito obrigada por mais esta participação neste espaço que é de todos.




Fontes:

http://davidtemprano.blogspot.pt/p/toledo-cruce-de-destinos.html
http://es.wikipedia.org/wiki/Escuela_de_Traductores_de_Toledo
http://tranquilacion.wordpress.com/2011/01/30/alfonso-x-y-la-escuela-de-traductores-de-toledo/
http://ciudaddelastresculturastoledo.blogspot.pt/2014/01/historia-de-la-escuela-de-traductores.html
http://bibliotecauclm.blogspot.pt/2013_05_01_archive.html
http://faculty.washington.edu/petersen/alfonso/esctra12.htm
http://www.columbia.edu/cu/spanish/courses/spanish3349/03edadmedia/arte_manuscrito.html
http://www.redjuderias.org/google/google_maps_print/cronologia-toledo-es.html
http://www.grouporigin.com/clients/qatarfoundation/chapter2_5.htm
http://www.instrumentsmedievaux.org/PartMed/Cantigas/CSMtext/c2.html

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