Dia Sagrado,
de Festa e Alegria
Os últimos dias da Criação e o Shabbat, Haggadah de Sarajevo, séc. XIV, Espanha
O
painel acima representa os últimos dias da Criação e o Shabbat (lendo da direita para a esquerda, e de cima para baixo) –
a criação do Sol e da Lua; dos pássaros e dos peixes; dos animais e do homem [Adam]
(Gén. 1:3-31); na última iluminura, após a Criação, está retratado um homem
descansando no sétimo dia:
«E D’us
abençoou o sétimo dia e santificou-o, porque nele cessou toda a Sua obra»
(Gén.
2:3)
Desde
o pôr-do-sol de 6ª feira até ao pôr-do-sol de Sábado, todo o trabalho deve ser
suspenso, para o cumprimento do Shabbat,
tal como nos é ordenado no IV Mandamento:
«Lembra-te do dia
de Sábado para o santificares. Durante seis dias trabalharás e farás todos os
teus trabalhos, mas o sétimo dia é um Sábado para o Eterno, teu D’us. Nesse dia
não farás qualquer trabalho, porque o Eterno abençoou o Sábado e o consagrou.»
É sobre a santidade do Shabbat que nos fala o poema litúrgico Ki Eshmera Shabbat. O poema, do famoso Abenezra (Abraham ibn Ezra,
1092/Navarra-1167-?) explica que Shabbat
é um dia solene, para estudar a Torah,
com prazer e alegria.
Ki Eshmera Shabbat, El Yishmreini/ ot he l’olmei ad beino uveini
“Si observo el Shabbat, Dios me protegerá/es una señal
eterna entre El e yo.”
Ki Eshmera Shabbat, Eduardo Paniagua/Jorge
Rozemblum
Shabbat é tempo para
fazer uma pausa das tarefas quotidianas, descansar da agitação mundana; tempo
para reflectir, para estar com a família e os amigos, para estudar a Torah. Shabbat é uma festa. Mas antes, há preparativos a fazer: é preciso
limpar a casa com esmero, fazer a chalah,
o pão entrançado com a sua massa leve de vaga doçura, com uma pitada de sal; é
preciso cozinhar com antecedência, porque em Shabbat não se acende o lume; escolher uma toalha de alva brancura
para pôr a mesa, preparar a taça para o kiddush,
e, claro, preparar os castiçais e as velas de Shabbat. Pode ser tudo muito simples, mas preparado com desvelo.
Vem a propósito referir uma receita muito popular entre os sefarditas, a Adafina, um cozido, que conhece algumas variantes. Vamos conhecer uma delas:
Vem a propósito referir uma receita muito popular entre os sefarditas, a Adafina, um cozido, que conhece algumas variantes. Vamos conhecer uma delas:
Adafina por Elena Benarroch
E eis que
chega a hora de acender as velas, e de dizer a Bênção «Bendito sejas Tu,
Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos
e nos ordenaste acender a vela de Shabbat»,
e o Shabbat começa. Em casa ou na
sinagoga a celebração continua…
Antes da refeição de 6ª feira à
noite recitamos o Kiddush (Santificação),
que começa com a bênção sobre o vinho, símbolo da alegria: «Bendito
sejas Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que criaste o fruto da videira». Depois, à volta da mesa há conversas, risos, e
cantigas.
“Dror Yikra”, um poema de Shabbat de Dunash Ben Labrat
(Fez-Córdova, séc. X), é cantado desde há séculos com uma melodia que recorda
os antigos modos ibéricos. Começa assim.
Deror yikrá
lebén ‘im bat veintzarchem kemó babat
Ne ‘im shimchem vel-ó yiushbat shebú venuchu
beyiom shabbat
Proclamará la
libertad para todos sus hijos y os manterá
como las manzanas
de su ojo, su nombre es agreable y no será
destruído:
descansad y relajaos en Shabbat
Dror Yikra - The Parvarim -
Ha'parvarim - guitarra
A liturgia prescreve orações especiais para o Sábado. No ofício da manhã de
Shabbat – Shacharit de Shabbat -, canta-se Az Yashir Moshe – “A Canção de Moisés”: «Então cantaram Moisés e os
filhos de Israel este cântico ao Eterno» (Êxodo 15).
Propomos a audição de Az Yashir Moshe, cantado com uma melodia
sefardita.
Az Yashir
Moshe, Dayan
Ivan Binstock and the Neimah Singers
Moisés no Monte Sinai com as Tábuas da Lei, Haggadah de Sarajevo
Na tarde de Sábado estuda-se a Torah. A atenção recai sobre um
comentário de Rashi, acerca dos Dez Mandamentos:
«Os
teus dois seios são como duas crias de corças, gémeas de uma gazela…» (Cântico dos Cânticos 4:5), é uma alusão
às duas tábuas sobre as quais foram gravados os Dez Mandamentos, cada tábua
«gémea» da outra. Os cinco mandamentos da primeira tábua correspondem aos cinco
da segunda. (…) «Lembra-te do dia de Sábado» corresponde ao «Não levantarás
falso testemunho, mentindo contra o próximo», porque aquele que profana o
Sábado produz um testemunho de mentira contra o seu Criador declarando (pelo
seu acto) que Ele não descansou no sétimo dia após a Criação.» E mais há para
estudar, muito mais, mas é chegada a hora da Havdalah.
Havdalah, Haggadah de Barcelona, séc. XIV
Em Havdalah
(separação), a cerimónia que encerra o Shabbat,
pronunciada sobre um cálice de vinho em lembrança da alegria de Sábado, dizemos
a bênção das especiarias (bessamim),
para estimular os espíritos que sofrem com a partida do Shabbat; depois a bênção do fogo, à luz de uma vela entrançada, em
lembrança da diferença entre luz e escuridão; por fim dizemos a bênção
“Hamavdil”, assinalando a separação entre o sagrado e o profano, entre o sétimo
dia e o resto da semana.
“El
Dio Alto” é uma oração de Havdalah
muito famosa nas comunidades sefarditas dos Balcãs. No vídeo que apresentamos,
as fotografias são quase todas de Belgrado, antes da II Guerra Mundial. Apesar
do genocídio do povo judeu, “El Dio Alto”, à imagem do povo judeu, sobrevive.
O
Judaísmo ensina-nos a viver os acontecimentos sagrados, como o Shabbat, numa espécie de “santidade no
tempo”; no Sábado tentamos estar em sintonia com essa “santidade no tempo”, que
vai impregnando o nosso ser até habitar em nós, e é por isso que os nossos
inimigos nunca o conseguiram destruir. Nem a nós!
El Dio Alto, piyut for Havdalah
El Dio Alto com Su gracia/nos mande muncha
ganancia
Nos veamos mal ni ansia/a nos y a todo Yisrael.
(…)
Shabbat Shalom!
Este artigo foi
elaborado e enviado por
Sónia Craveiro
Muito obrigada J
Fontes:
HERTZBERG, Arthur,
JUDAÍSMO, Editorial VERBO –
Lisboa/São Paulo;
Siddur Completo, editora &livraria Sêfer, São Paulo;
Maimónides, Edad de Oro de Sefarad en Al-Andaluz, Eduardo Paniagua/Jorge Rozemblum;
Imagens: