COIMBRA
Cidade
portuguesa banhada pelo Rio Mondego, situada na região da Beira,
com cerca de 143.400 habitantes.
No século VIII é ocupada pelos Mouros,
tornando-se num importante entreposto comercial entre o norte cristão e o sul
árabe/muçulmano. Em 971 torna-se Condado de Coimbra, mas apenas em 1064 a
cidade é de vez reconquistada por Fernando Magno, rei de Leão e Castela.
Existe um documento do ano 950 em que o
Conde Ximeno e sua mulher, Adosinda Guterres, doaram ao Mosteiro de Cela Nova
prédios pertencentes a Judeus em Quires (Taveiro), nas redondezas de Coimbra.
Em 1099, a aldeia de Enxofães, hoje freguesia de Murtede, no concelho de
Cantanhede, é dita "villa que est de illos Hebreus" (aldeia que é dos
Judeus).
Porém, a primeira atestação documental
da presença judaica em Coimbra é a carta de demarcação da paróquia de S. João
de Santa Cruz de 1139. Segundo este documento, o bairro judeu tinha cemitério
próprio, o seu almocávar.
Nessa altura Coimbra apresentava uma
estrutura urbana. A Universidade, que D. Diniz fundara em Lisboa, com a designação
de Estudo Geral, no final do século
XIII, esteve alternadamente entre Lisboa e Coimbra, até à sua fixação
definitiva nesta última cidade por ordem de D. João III, em 1537.
Em Coimbra existiram duas judiarias: a
velha e a nova. A Judiaria Velha estava situada fora das muralhas, entre a
Porta de Almeida e Porta Nova, na encosta que hoje tem, como arruamento
principal, a Rua Corpo de Deus. A Judiaria Nova situar-se-ia na zona entre
Sansão, a norte da actual Rua Direita, e o Arnado.
Judiarias
de Coimbra.
Na Judiaria Velha de Coimbra existiu uma
sinagoga, que para alguns teria funcionado no local ou perto do local em que em
1360 se ergueu a Capela da Nossa Senhora da Vitória, uma carniçaria e uma
albergaria para doentes e necessitados. Um pouco mais afastado estaria o
cemitério judaico. Nesta zona, junto ao jardim da Menga, ainda persiste um local chamado de Fonte dos Judeus. Talvez houvesse Judeus fora desse bairro, mas os mesmos concentravam-se maioritariamente naquele bairro.
Capela de
Nossa Sra. da Vitória, vista da R. do Corpo de Deus.
Para além da que hoje se chama Rua do
Corpo de Deus, teria existido um "caminho que vai para a ermida do Corpo
de Deus", hoje um curto beco à esquerda consoante se ascende pola rua
actual, uma Rua de Moreira, referidos num documento de 1395 (Livro do
Almoxarifado).
Local de
acesso à R. do Corpo de Deus, na Judiaria Velha de Coimbra
Interior
da R. do Corpo de Deus.
Segundo J. Pinto Loureiro, na sua obra Toponímia Coimbrã, a hoje Rua Corpo de
Deus "...tem sido ao longo dos séculos sucessivamente Judiaria, Rua do
Príncipe, Rua do Corpo de Deus, Rua Pedro Cardoso. A rua Corpo de Deus foi
também denominada de Rua de Corpus
Christi.
R. do
Corpo de Deus, na Judiaria Velha de Coimbra.
Possivelmente as actividades económicas
desenvolvidas pela comunidade judaica eram muito diversificadas. Enquanto
algumas famílias se dedicavam a ofícios mecânicos (calçado ou marroquinaria), alguns
Judeus mais abastados e influentes ocupar-se-iam das finanças (por ex. em
arrolamento de moeda). Outras famílias dedicar-se-iam à agricultura nos férteis
terrenos.
Arruamento
da Judiaria Velha de Coimbra.
Localização
da Judiaria Velha na planta de Coimbra, com reconstrução
do traçado da muralha
antiga.
Na actualidade a zona da Judiaria Velha
está bastante descaracterizada devido à reforma de D. Fernando I, em 1370, que
decidiu destruir o casario, após ter visto a judiaria e muralhas arrasadas nas
guerras com Castela e demarcado um novo local para a judiaria.
Isto forçou os judeus a deslocarem-se
para a chamada Judiaria Nova, mais afastada do centro, que ficou assim
conhecida como a "judiaria do arrabalde"; estava situada perto do Rio
Mondego. Apesar desta demarcação, a Judiaria Velha não foi totalmente
abandonada. O Livro do Almoxarifado mostra que em 1395 aí havia casas "derrubadas",
ou que estavam em "rossio", ou que jaziam "em chão", mas
havia ainda casas habitadas por Judeus.
Arruamentos
da Judiaria Nova de Coimbra.
Esta Judiaria Nova de Coimbra, é
conhecida nos documentos da época como "judiaria do Sansão" ou
"judiaria acerca de Sansão", por estar situada no local da actual Praça
8 de Maio (antigo Sansão). Embora não sejam conhecidos os limites exactos da
Judiaria Nova de Coimbra, talvez tenha sido demarcada pelas ruas que hoje se
chamam Rua Nova (desde o ano 1504), Rua Direita e Rua do Arco do Ivo, bem como
pelo Terreiro e Travessa do Marmeleiro.
Calcula-se que na Judiaria Nova também
tenha funcionado uma sinagoga (foram encontradas partículas de sal, usadas na
purificação dos espaços), junto dum arco de pedra denominado Porta Mourisca,
referida nos documentos do séc. XV como "Porta Mourisca para a
Judiaria", talvez na confluência das actuais ruas Direita e de João
Cabreira.
Local de
confluência da R. Direita com a R. João Cabreira.
A construção da Judiaria Nova
produziu-se para o lado da actual Rua da Sofia, com umas casas voltadas para a
Rua Nova e outras para o Adro de Ivo, formando um largo ou pátio na zona
interior, sendo possível que este pátio tivesse acesso por uma travessa que
partiria da Rua Nova ou do Ardo do Ivo (ou por duas travessas partindo das duas
ruas).
Ao fundo,
R. Direita, vista da Pr. de Sansão (Pr. 8 de Maio).
Outro dos elementos que faz com que os
limites da Judiaria Nova sejam difíceis de definir, é que a zona foi, em parte,
destruída para abrir a Rua da Sofia.
Nos séculos XIV-XV o convívio entre
Judeus e cristãos deteriora-se e os Hebreus passam a ser perseguidos. A
ocorrência mais grave teve lugar em 1395, sob a liderança dum hierarca da
igreja e vários sacerdotes.
Com o édito de expulsão dos Judeus de
1496, as autoridades político-religiosas permitiram a destruição do cemitério
judeu de Coimbra e a venda das suas campas e lápides funerárias, apagando,
desta forma, a que poderia ser a melhor fonte para resgatar a memória da
Coimbra Judaica.
A partir do séc. XVI e ao longo de dos
séculos, os Judeus seriam os alvos privilegiados da Inquisição. De facto, em
Coimbra sediou um tribunal inquisitorial, um dos quatro que operavam em
território português, além de Lisboa, Évora e Goa.
O Tribunal de Coimbra, que julgou muitos
conversos distinguidos, processou mais de 11.000 casos entre 1541 e 1820. No
total, por volta de duas centenas de pessoas teriam sido queimadas em praça
pública, acusadas de crimes contra a igreja, por bruxaria e ausência de bons
costumes e principalmente por judaísmo. Para além do “fogo” as sentenças
incluíam ainda: a exposição em pelourinho, a forca, o esquartejamento, o
garrote, o empalamento, os tratos de polé, as atormentações na roda. Por vezes
praticava-se o corte de membros e da cabeça, com exposição no local do suplício
até consumação, e também o sacrifício em estátua, por indesejada ausência do
condenado. Outros ainda foram condenados ao cárcere perpétuo.
Assim sendo, no tecto da denominada sala
das tormentas no Pátio da Inquisição de Coimbra subsiste ainda uma argola que
servia para içar os prisioneiros, em sessões de tortura. Este edifício de
funesta relembrança, acha-se na Alta e antes de passar para a Inquisição tinha
servido como Colégio das Artes. À entrada do pátio, à direita, situavam-se os
aposentos dos secretários, no topo ficavam os aposentos dos inquisidores, com
um terraço avarandado com vistas, tendo por baixo a casa do tormento onde ficavam
os cárceres.
Outro local da intolerância religiosa
era a Praça do Comércio, onde decorriam os autos de fé. Na Rua de Sofia acima
referida ainda é visível o local por onde passavam os prisioneiros da
Inquisição, que eram executados à beira do rio.
Os processos da Inquisição duravam meses
ou mesmo anos, durante o qual o acusado ficava detido na prisão. Considerando
alegadamente que as acusações eram motivadas principalmente pelo desejo de
confiscar e de apossar da propriedade do acusado, é de salientar que as
profissões e ofícios mais frequentes dos processados foram, em ordem
decrescente, sapateiros, comerciantes, fazendeiros, curtidores e tecelões.
Relativamente à sua origem, os acusados procediam em grande número de Bragança,
Braga, Porto, Viseu, Aveiro, Guarda e Coimbra.
A partir dos sermões pregados nos autos
de fé, sabe-se que mães e avós foram responsabilizadas por manter práticas e
crenças judaicas entre os conversos. Assim, durante o primeiro século da sua
existência, a Inquisição de Coimbra julgou mais mulheres do que homens. Foi em 1781 que se realizaram os últimos
autos de fé em Portugal: um em Coimbra, com 17 pessoas sentenciadas, e outro em
Évora, com 8 sentenciados.
Apesar desta repressão, Coimbra foi um
centro considerável da comunidade judaica (marrana) nas décadas de 1530 e 1540.
No século XVII António Homem, professor de Direito Canónico na Universidade de
Coimbra, levou um conciliábulo de ilustres judaizantes marranos. Muitos
marranos, para além de Homem frequentaram a Universidade de Coimbra, entre os
quais, o distinguido dramaturgo e mártir, António José da Silva. Outros, como
António Fernando Mendes, mais tarde convertido ao judaísmo em Inglaterra,
fizeram parte do seu corpo docente.
Muitos dos cristãos-novos presos como
judaizantes em Ferrara em 1581 eram refugiados da região de Coimbra. Três
deles, incluindo Joseph Saralvo, que se gabava de devolver 800 marranos ao
judaísmo, foram condenados à morte em Roma dois anos depois.
Entre Novembro de 2008 e Abril
de 2009 a divisão de museologia da autarquia promoveu um percurso cultural e
uma exposição, sob o nome de "Coimbra Judaica", a fim de resgatar o
património da presença judaica nesta cidade.
Este
artigo foi elaborado por Manuela Videira,
com texto adaptado de:
com texto adaptado de:
GoogleEarth
Outras fontes:
SARAIVA, José
Hermano, História concisa de Portugal, Publicações Europa-América.
Dicionário
Enciclopédico da História de Portugal, Volume II, Publicações Alfa.
Muito boa iniciativa e muito bom artigo! Prevê fazer um artigo mais detalhado sobre a recente descoberta arqueologica na rua Visconde da Luz ?
ResponderEliminarEstou à procura dum exemplário do livro "Confraria de S. Diogo: Judeus secretos na Coimbra do sec. XVII", sabe onde poderia adquiri-lo ?
Shabbat Shalom!
Muito obrigada David, para outro artigo necessito de recolher mais informação que não tenho. Infelizmente também não tenho esse livro, mas talvez no Bertrand, ou pedindo por encomenda na Fnac!!! Mas vou perguntar a mais pessoas e se eu descobrir digo-lhe. Ainda e quanto a este artigo não fui eu que fiz a pesquisa, apenas confirmei a credibilidade da fonte de onde retirei quase toda a informação. :) Shavua Tov!
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