"A Capital do Marranismo"
Carção - Rio Sabor
Carção é uma freguesia portuguesa do concelho de Vimioso,
no distrito de Bragança, região Norte de Portugal e sub-região do Alto
Trás-os-Montes com 27,60 km² de área e 419 habitantes (2011), densidade: 15,2
hab/km². Situa-se no nó de convergência entre as aldeias de Argozelo e
Santulhão, e é passagem obrigatória para quem se dirige à sede de concelho, da
qual dista dez quilómetros. Tem por limites as freguesias de Argozelo, Pinelo,
Vimioso, Santulhão e terras do concelho de Bragança.
Não tem anexas, mas
outrora compreendia cinco casais no rio Maçãs e onze moradores na Quinta da
Veiga. Pertenceu ao antigo concelho de Outeiro, extinto em 1855, tendo passado
a integrar o concelho de Vimioso.1
Neste local, em 1651, foi justiçado Francisco Mendes,
natural do lugar de Carção. Foi condenado à morte e enforcado na Vila de Outeiro,
por ter assassinado Gaspar Gonçalves, juiz de Carção. O seu crime foi acrescido
por ter despedaçado «com hua fouce roçadoura hua imagem de Christo». No meio do
povo de Carção, numa grande lápide de granito cravada no solo, junto a uma
fonte, está uma inscrição referente a Francisco Mendes.
Naquele sítio estavam
as casas de habitação do assassino, as quais foram mandadas arrasar e salgar
pela barbaridade do crime. Os seus bens foram confiscados para a Coroa, ficaram
também os seus descendentes incapazes de obter qualquer ocupação até à quarta
geração.
Ponte Romana sobre o Rio Maças
Os habitantes de Carção estão ligados ao comércio desde
tempos muito antigos. Um grande número dos seus habitantes é descendente de
judeus que se refugiaram no século XV nas aldeias raianas. A importância do
legado judaico revela-se no símbolo da junta de freguesia de Carção que tem no
brasão uma mezuzá e uma menorá, o candelabro de sete braços, um dos mais
antigos símbolos judaicos.
Brasão da Freguesia de Carção
A partir do século XV e XVI iniciou-se o seu maior
povoamento. Este facto ficou a dever-se à expulsão dos judeus de Espanha pelos
Reis Católicos Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão (Decreto de Alhambra
de 1492). Assim, entraram em Portugal milhares de pessoas e, pelo lado de
Miranda do Douro, calcula-se que tenham entrado cerca de 3000 pessoas.
Inicialmente fixaram-se num local chamado Prado das Cabanas, quatro quilómetros
a leste de Vimioso, dispersando-se depois, pouco a pouco. Uma vez que Carção
estava bem situada e tinha feira todos os meses, aqui chegaram muitas pessoas
de origem judaica, trazendo com elas uma nova cultura e uma nova economia.
Praça antiga de Carção
As tabernas e os talhos eram alguns dos negócios que
pertenciam à comunidade judaica. As famílias de negociantes de Carção
instalaram-se na zona da praça e os seus estabelecimentos não eram frequentados
por lavradores.
Praça nos anos 60
A praça de Carção guarda memórias dos tempos de perseguição
por parte da Inquisição, que condenou à fogueira cerca de 18 pessoas da aldeia.
Consequentemente, para safar da morte, muitos Judeus converteram-se por fora,
para mostrar que já eram cristãos, quando na realidade ainda viviam o
verdadeiro espírito judaico.
Este fenómeno é designado de “Marranismo”. Tudo
leva a crer que os judeus usavam as alheiras, produto alimentar da zona, para
mostrar que já eram cristãos, logo comiam carne de porco, quando, na realidade,
eram feitas, apenas, de pão e aves.
Pedra com símbolos judaicos
Implantada mesmo no centro de Carção, hoje a “Taberna TAI”
é um símbolo vivo dos tempos em que os Judeus dominavam o negócio na praça. O
edifício centenário, que passou de geração em geração, foi recuperado segundo a
traça original e, agora, acolhe pessoas de todos os estratos sociais. Aqui
ouvem-se histórias dos tempos em que o cristianismo e o judaísmo dividiam a população
e, em tom de brincadeira, até se fazem comentários sobre as pessoas que ainda
têm ar de judeus.
Os tempos passaram, as mentalidades mudaram e as práticas
judaicas que ainda poderão existir fazem, apenas, parte da intimidade de cada
um. A proprietária da taberna, Laura Tomé, de 57 anos, afirma que não tem
grandes memórias dos tempos áureos do judaísmo, mas sabe que a “Taberna TAI”
foi uma das primeiras a surgir em Carção. “Este negócio já vinha do meu sogro,
que pertenceu a uma família que tinha taberna e talho”, recorda ela.
“A aldeia estava dividida. Os judeus tinham os seus
negócios na zona da praça, ao passo que os lavradores viviam no cimo do povo e
só frequentavam os comércios e cafés da sua zona. Quando os lavradores desciam,
o que, por norma, acontecia ao fim-de-semana, havia pancadaria”, recorda o
presidente da Junta de Freguesia de Carção, Marcolino Fernandes. Com 76 anos, o
autarca afirma que ainda viveu no tempo em que as rivalidades entre cristãos e
judeus estavam bem vincadas. “Embora eu fosse lavrador, vivi sempre no meio dos
Judeus. O meu pai esteve três anos em França e quando regressou comprou uma
casa mesmo no centro da praça, o que para os judeus foi uma afronta. Por isso,
desde pequeno que fui assistindo às rivalidades”, frisa o carçonense.
O estado em que estava o edifício que é hoje o Museu Judaico
Para reivindicar as tradições e vestígios dos judeus, está
em fase de conclusão um Museu dedicado às tradições judaicas. Promovido pela
Associação Almocreve, este espaço vai ter dois pisos: um para exposições
temporárias e outro dedicado ao judaísmo. O museu fica mesmo no centro da praça
de Carção, onde ainda se encontram outros vestígios judaicos.
Faça aqui uma visita virtual ao
Museu:
Fontes:
(1 - Paróquia de Carção. Arquivo
Distrital de Bragança. Página visitada em 10 de Outubro de 2013).
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